A dengue é uma doença bastante conhecida em todo o país. A primeira epidemia documentada no Brasil ocorreu entre 1981 e 1982. Com sintomas que podem ocasionar a morte, as campanhas do Ministério da Saúde são enfáticas quanto à importância em relação aos cuidados que devemos adotar como prevenção da doença.
No entanto, apesar de todos saberem que o vírus é transmitido pelo mosquito fêmea do Aedes aegypti – que se reproduz, preferencialmente, em água limpa e parada -, existem diversos mitos que ainda circulam.
Para desvendar o que é crença e o que é verdade em relação à doença, a equipe de reportagem do Jornal Midiamax conversou com a infectologista Silvia Uehara. Em um bate-papo sobre dengue, a especialista esclareceu algumas dúvidas que ainda existem sobre proliferação, repelentes e prevenção.
Existe horário favorito para o mosquito picar?
R: Em geral, esses horários são mais no fim da tarde e no início da manhã, mas podem picar o dia todo. Se estiverem com fome, vão picar independente do horário. No entanto, se já fez o repasse sanguíneo, os períodos que a fêmea mais pica são no fim da tarde e no início da manhã.
Repelentes funcionam?
R: Os de farmácia com controle de qualidade, feitos em laboratórios, ou farmácias de manipulação feitos dentro dos padrões preconizados pelos profissionais farmacêuticos, funcionam.
Mudas de citronela afastam os mosquitos?
R: A citronela repele os insetos porque nela existe o óleo com odor específico que é desagradável para o inseto. A citronela usa esse odor quando o inseto vai picar a folha, mas não vai evitar que o pernilongo circule pela casa inteira. Pode fazer efeito localizado, muito próximo da planta, mas funciona mais para ela que para o ambiente em volta.
As bromélias impedem o desenvolvimento das larvas?
R: Essas plantas armazenam água que não é supostamente do jeito que o Aedes aegypti gosta. Não é o ambiente mais propício para esse mosquito porque essa água tem substâncias que atraem outros insetos que vão atrapalhar o desenvolvimento das larvas do Aedes, então, não é um reservatório tão perigoso quantos vasos, ralos e calhas.
O fumacê mata as larvas ou apenas os mosquitos?
R: O fumacê só mata a forma adulta, não mata as larvinhas e ainda pode ser tóxico para outros insetos, incluindo abelhas e aranhas que são predadoras de mosquitos.
O fumacê é uma das últimas medidas para controlar a infestação. Ele só é reservado para quadros em que tenha havido casos clínicos de dengue. Vai borrifar umas duas quadras naquele entorno para evitar que os pernilongos piquem as pessoas infectadas e disseminem para outras pessoas. Não tira a obrigação de manter o quintal limpo e livre de reservatórios. O que a gente tem que fazer é manter o ambiente livre de reservatórios e evitar criadouros.
O mosquito da dengue só se reproduz em água limpa e parada?
R: Ele prefere água limpa e parada, de preferência, que não tenha muita matéria orgânica para que não fique muito ácida e os ovinhos possam eclodir e as larvinhas funcionarem. Água corrente é muito difícil de ter criadouro de pernilongo, água parada é frequente.
Mas temos que pensar até no meio ambiente. Por exemplo, no Pantanal, quando a gente vê que ficaram só as bacias, que os rios não encheram e que até a Aedes albopictus (mosquito que também pode transmitir a doença em ambientes silvestres onde não se encontra o principal vetor) pode estar se reproduzindo, a gente encontra baía que antes corria água e agora está parada e tem muito mais proliferação de pernilongos.
Existe período de imunidade para quem teve dengue?
R: Existe um período de imunidade cruzada. Temos quatro tipos de vírus da dengue, quatro genótipos. São o mesmo vírus da dengue, com algumas mudanças. Se eu pego o subtipo 1 eu vou ficar imune pelo subtipo 1. Até seis meses após o adoecimento por esse subtipo, e tenho proteção cruzada contra os outros subtipos, mas posso ficar suscetível a eles.
A dengue grave (antiga dengue hemorrágica) só acontece depois de já ter sido infectado pelo vírus no passado, ou pode acontecer na primeira vez?
R: Ela pode surgir desde a primeira vez. Pacientes, principalmente, os que já têm outras comorbidades, hipertensão, diabetes, doenças autoimunes, alergias muito graves, podem desenvolver a doença mais grave.
A gente tem que tirar um mito muito importante: não usamos clinicamente o termo dengue hemorrágica porque não podemos esperar que a pessoa sangre. Se ela chegar a sangrar, já está muito grave. Antes mesmo de ela sangrar, já está desidratada e ao mesmo tempo inchada e isso engana os olhos de quem não está acostumado a acompanhar os indivíduos com dengue.
Mesmo pessoas que não têm sangramento, mas apresentam sinais de alerta – tonturas, dor abdominal, vômitos que não passam -, precisam procurar atendimento em saúde para ver se o quadro não está se agravando.
No inverno não existe proliferação do mosquito?
R: Se o inverno for muito menos que 20°C, a gente fica menos preocupado, um pouco. O problema é que em Mato Grosso do Sul, os dias com temperatura menor que 20°C são muito raros. Então, não dá para descansar em hora nenhuma.
O período de inverno é hora de tomar fôlego e cuidar mais ainda dos locais que possam servir de reservatório. O cuidado com o mosquito da dengue na saúde pública dura o ano todo e começa bem antes do período chuvoso.
Deixando tudo limpinho, retirando reservatórios antes do período da chuva, não teremos reservatório, não teremos infestação, não teremos transmissão da doença e nem adoecimento.
Existem pessoas imunes a dengue?
R: Não. Todas as pessoas são suscetíveis. Se nunca teve dengue, pode pegar até quatro vezes, uma vez por cada subtipo diferente. Imunidade natural não existe.
Mosquitos não voam alto? Quem mora em andares mais altos está protegido?
R: Isso é mito. Pode ter dengue, sim, em lugares mais altos. Os mosquitinhos têm meios de chegarem lá em cima. A gente tem que lembrar que existem elevadores e que eles também servem para os mosquitos.
O mosquito não consegue chegar por si só em lugares mais altos, mas as pessoas que moram no térreo podem levar reservatórios, ou armazenar dentro da casa dela reservatórios que contenham água, que podem conter larvas e podem eclodir. Os insetos adultos que podem subir, um ou dois lances de escada.
Como limpar adequadamente locais que podem servir de reservatórios e criadouros do Aedes aegypti?
R: Se eu tenho caixa d’água, ou balde parado, vi que tinham larvinhas, tenho que pensar que pode ser que tenham ovinhos grudados na parede, então preciso esvaziar e esfregar bem para tirar os ovinhos.
O certo é tirar todo e qualquer reservatório. Até uma tampinha de caneta pode abrigar até cinco larvinhas e podemos ter problema. Temos que trabalhar para cuidar de todo o ambiente. Cuidar da calha, do ralinho do fundo do quintal, da piscina, do banheiro.
E em casas fechadas, os vasos e ralos precisam ficar tampados. São cuidados simples, mas que precisam ser tomados. As crianças podem ajudar a esvaziar os vasinhos da casa, coletar tampinhas das ruas. Temos que eliminar todo e qualquer reservatório.
Precisamos vacinar, usar repelentes, usar roupas compridas cobrindo pernas, pés e braços, além de cuidar muito bem das crianças e idosos porque eles são os mais vulneráveis ao agravamento.
Nenhuma medida funciona sozinha. A limpeza dos quintais, cuidado com a casa, proteção das pessoas, vacinação são todos necessários, mas se mesmo fazendo tudo isso a pessoa se infectar e adoecer é necessário beber muito líquido e ter atenção com os sinais de alerta: tontura, dores abdominais, vômitos, sangramentos, manchas na pele, tem que procurar atendimento em saúde logo.