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‘Gordofobia é ainda mais absurda no verão’, conta jovem de MS que ouviu piada sobre seu peso ao entrar no mar

Carlos Nascimento, de 31 anos, que passava o dia em uma praia do Guarujá em São Paulo, viveu uma situação nesta sexta-feira (4) que consideraria constrangedora, caso ele não estivesse muito satisfeito com seu corpo:

Por Jaqueline Naujorks, G1 MS

“Eu fui com a minha namorada para a praia, e quando resolvi entrar no mar e tirei a camiseta, escutei os caras ao lado da nossa barraca gritarem ‘Go Willy’, reproduzindo uma fala do filme que conta a história de uma baleia. Na hora eu parei, pensei muitas vezes se deveria ou não falar alguma coisa, questionar, e resolvi que não. Simplesmente me empoderei ainda mais, entrei no mar e me diverti como ninguém”, relata.

“Quando ouvi o comentário, me senti muito mal, fiquei pensando no que eu tinha feito para eles me tratarem daquela maneira. Isso passou pela minha cabeça durante alguns segundos. Entender que aquele mal estar não me pertencia fez com que eu erguesse a cabeça e fizesse exatamente o que tinha vontade, que era entrar no mar”, conta.

Carlos relatou o caso no facebook, e a postagem recebeu diversos comentários de pessoas contando experiências semelhantes. “A Gordofobia, termo usado para designar a repulsa a pessoas gordas, acontece o tempo todo, mas ela é ainda mais absurda e aparente no verão, porque é quando você se despe. A roupa para o gordo é como uma armadura, você acaba se escondendo, e quando está calor, seu corpo vai ficar à mostra”.

Ana Paula Ostapenko, de 36 anos, de Dourados (MS), também conhece a gordofobia – e afirma que nos últimos tempos o preconceito ganhou novas nuances. “As pessoas estão colocando a gente em uma tabela do quão gordo é possível ser para que não agrida os outros, o que seria o corpo gordo aceitável e o que não seria. As pessoas olham para mim e dizem ‘Ah, mas você não é tão gordinha’ como se isso fosse uma coisa positiva. Um corpo gordo é um corpo gordo, é o meu corpo, é um corpo lindo e pronto”.

“O verão definitivamente é a pior estação para os gordos, porque muitas pessoas tendem a cobrir seus corpos e sofrem com o calor por conta de uma pressão estética que fica ali rondando. Prova disso são as famigeradas resoluções de ano novo: ‘ser fitness’ e ‘emagrecer’ está em pelo menos 9 entre 10 dessas promessas”, declara Ana Paula.

Tanto para Carlos, quanto para Ana, a gordofobia se manifesta de uma outra maneira, muito menos agressiva mas não menos difícil: “Para a mulher gorda a dificuldade começa na hora de se vestir. Me diga uma loja que não seja específica de moda Plus Size em que você encontra a roupa bonita de tamanho GG ou EG? Não encontra. A roupa do gordo é sempre ‘especial'”, conta Ana.

"A dificuldade da mulher gorda começa na hora de se vestir" conta Ana Paula Ostapenko.  — Foto: Arquivo pessoal

“A dificuldade da mulher gorda começa na hora de se vestir” conta Ana Paula Ostapenko. — Foto: Arquivo pessoal

“As confecções querem o dinheiro do gordo, mas a arara com as roupas do gordo está lá no fundo. Ainda chamam a roupa do gordo de ‘tamanhos especiais’ e isso está errado. Tudo é tamanho. Ser gordo é normal, é esse entendimento que precisa ficar mais claro para todo mundo”, declara Carlos.

Além das pessoas que comentam em voz alta, existem as que nada dizem mas expressam seu procenceito de outras formas: “Basta um olhar. O olhar que o gordo recebe quando está feliz comendo seu sanduíche, diz muito”.

“Amar-se acima de qualquer opinião”

Para Carlos, a melhor maneira de lidar com a gordofobia é tendo a certeza de que não há nada errado com seu corpo: “As pessoas gordas devem simplesmente amar os seus corpos. Para a pessoa gorda que vai para a praia, ou uma piscina, um rio, qualquer lugar que você precise se despir, e não consegue aproveitar por medo de ouvir piadas do tipo, eu ofereço meu exemplo: com um calor desses, nós temos o direito de nos refrescar e curtir em paz, felizes, onde for”.

Ana Paula lembra ainda que o corpo gordo nem sempre é sinal de má saúde: “Meus exames estão todos em dia, diabetes controlada, colesterol controlado, e não visto um manequim 40. Eu amo meu corpo, meu corpo é lindo, não tenho que ficar eternamente em dieta para ser aceita”.

"Não tenho que ficar eternamente em dieta para ser aceita", conta Ana Paula.  — Foto: Arquivo pessoal

“Não tenho que ficar eternamente em dieta para ser aceita”, conta Ana Paula. — Foto: Arquivo pessoal

Carlos e Ana acreditam que combater esse tipo de comportamento é um processo lento. “Eu sempre fui gordo, minha história foi construída dentro de um corpo gordo, vejo isso há anos e nada mudou, ainda são as mesmas piadas dos anos 90. A diferença é que hoje elas batem em autoestimas elevadas e gordos empoderados. Já é um grande começo”, conta Carlos.

Ana acredita que a principal lição que uma vítima de gordofobia pode dividir, é sobre amor próprio: “A gordofobia é uma coisa cansativa, mas nos lembra da necessidade do amor próprio inclusive como forma de proteção, e de combate a uma prática que muda de cara, mas ainda está longe de, realmente, acabar”, finaliza.