Como seria Campo Grande hoje se, em 1977, a criação de Mato Grosso do Sul não tivesse acontecido e Cuiabá continuasse a ser a capital de um estado gigantesco? Parque dos Poderes, pavimentação de rodovias, cidade universitária da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Hospital Regional e até o Aquário do Pantanal muito provavelmente não integrariam a paisagem da cidade.
Thalya Godoy – Midia Max
Se antes parte de Campo Grande era uma fazenda que se estendia até Aquidauana, hoje a cidade vive o tensionamento de ter uma “cara de interior” e, ao mesmo tempo, ser ocupada por avenidas, prédios e grandes empreendimentos que uma capital requer.
Antes de ser alçada ao título de capital e da criação de Brasília, Campo Grande era mais populosa que Cuiabá e Goiânia na década de 1950, segundo dados do IBGE (Instituto Nacional de Geografia e Estatísticas). A cidade na região sul de Mato Grosso era forte economicamente e atraía pessoas de outros estados e países.
Naquela época, Campo Grande não tinha aeroporto para voos comerciais. A única forma de chegar ou sair da cidade pelo céu era pela atual Base Aérea de Campo Grande, conforme relembra a catequista Marisa Barreto dos Santos, de 78 anos, nascida na Capital em 1947 e hoje moradora da Vila Belo Horizonte.

Ela era filha de militar e cresceu na região do Taveirópolis, acompanhando a transformação da cidade desde quando tinha menos de 50 mil habitantes.
Se hoje Campo Grande tem quase 300 unidades de ensino públicas, na época do magistério de Marisa, no fim da década de 1960, a cidade tinha apenas duas opções: Colégio Auxiliadora — particular — e a Escola Estadual Joaquim Murtinho — pública.
O uniforme para os estudantes do Joaquim Murtinho, na época, era uma camisa de manga, saia com pregas e uma meia soquete branca. Se hoje a iluminação pública é um problema que se nota quando alguma lâmpada se queima, a escuridão era o que imperava pelas ruas de Campo Grande há cerca de 60 anos.
Poucas linhas de ônibus eram ofertadas, e a jovem Marisa precisava caminhar parte do caminho em uma rua escura, sem postes de luz, para voltar da aula à noite.
“Quando tinha cinco aulas, era quase comum perder o último ônibus que vinha para cá, então eu tinha que descer no posto de gasolina da Bandeirantes, que existe lá até hoje, e só tinha uma luz ali, que era uma casa de prostituição”, recorda.
Dona Marisa relembra que ia do Taveirópolis até o bairro Guanandi de bicicleta para lecionar na Escola Municipal Professor Plínio Mendes dos Santos. A paisagem era completamente diferente do que é hoje.
“Era só mato, eu saía de bicicleta porque o meu pai falou ‘Se você quer trabalhar, você vai trabalhar com suas pernas e com os seus pés’. Eu tinha uma bicicleta e fui feliz ganhar 50 cruzeiros, era tudo na minha vida, eu estava feliz da vida com o ‘cinquentão’”, festeja.
Campo Grande era forte economicamente e concentrava uma população maior que Cuiabá antes de se tornar capital do novo estado, apesar da estrutura básica. Mato Grosso do Sul foi criado em 11 de outubro de 1977, mas a oficialização veio apenas em 1º de janeiro de 1979.
O primeiro governador foi Harry Amorim Costa, indicado pelo presidente Ernesto Geisel durante a ditadura militar, mas que ficou apenas cinco meses no cargo e foi substituído pelo presidente da Assembleia Legislativa e atualmente deputado estadual Londres Machado (PP).
De acordo com o arquiteto e urbanista Angelo Arruda, Campo Grande teve três fatores que influenciaram no crescimento das cidades antes de se tornar capital:
- Chegada da Estrada de Ferro Noroeste no século XX;
- Pavimentação da BR-163;
- PND (Planos Nacionais de Desenvolvimento) criados durante a ditadura militar para o fortalecimento da região Centro-Oeste.
O professor ressalta que o ‘boom’ de desenvolvimento da indústria da celulose é resultado de investimentos nas décadas de 1960 e 70 com as plantações de eucalipto em Ribas do Rio Pardo e Água Clara. Campo Grande era a cidade mais importante da região sul do Estado.
“Duvido que a ditadura teria tornado Campo Grande uma capital se não tivesse nenhuma infraestrutura. Então, além do peso político, havia uma condição socioeconômica para Campo Grande para se tornar Capital […] Cuiabá era a cidade mais importante politicamente, mas não economicamente nem culturalmente. As nossas ligações com a fronteira, com a Bolívia e o Paraguai, são históricas; então, a gente tinha condições melhores que Cuiabá”, explica.